sábado, 28 de julho de 2007





CRÔNICA SOBRE A CANÇÃO DE NINAR



Eu, um Brasileiro morando nos Estados Unidos da América, para ajudar no orçamento, estou fazendo "bico" de babá e estudante. Ao cuidar de uma das meninas de quem eu "teoricamente" tomo conta, uma vez cantei "Boi da cara preta" para ela, antes dela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música que ela sempre pede para eu cantar ao colocá-la para dormir. Antes de adotarmos o "boi, boi, boi" como canção de ninar, a canção que cantávamos (em Inglês) dizia algo como:



Boa noite, linda menina, durma bem.Sonhos doces venham para você,Sonhos doces por toda noite"...(Que lindo, né mesmo!?)



Eis que um dia Mary Helen me pergunta o que as palavras, em português, da música "Boi da cara preta" queriam dizer em Inglês:



Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo decareta...(???)



Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a música "boi da cara preta" era uma ameaça, era algo como "dorme logo, caralho, senão o boi vem te comer"? Como explicar que eu estava tentando fazer com que ela dormisse com uma música que incita um bovino de cor negra a pegar uma cândida menina?
Claro que menti para ela, mas comecei a pensar em outras canções infantis, pois não me sentiria bem ameaçando aquela menina com um temível boi toda noite...
Que tal?



Nana neném que a cuca vai pegar...



Caramba!... Outra ameaça! Agora com um ser ainda mais maligno que um boi preto!
Depois de uma frustrante busca por uma canção infantil do folclore brasileiro, que fosse positiva e de uma longa reflexão, eu descobri toda a origem dos problemas do Brasil. O problema do Brasil é que a sua população em geral tem uma auto-estima muito baixa. Isso faz com que os brasileiros se sintam sempre inferiores e ameaçados, passivos o suficiente para aceitar qualquer tipo de extorsão e exploração, seja interna ou externa. Por que isso acontece? Trauma de infância! Trauma causado pelas canções da infância!
Vou explicar: nós somos ameaçados, amedrontados e encaramos tragédias desde o berço! Por isso levamos tanta porrada da vida e ficamos quietos.
Exemplificarei minha tese:



Atirei o pau no gato-to-toMas o gato-to-to não morreu-reu-reuDona Chica-ca-ca Admirou-se-seDo berrô, do berrô que o gato deuMiaaau!



Para começar, esse clássico do cancioneiro infantil é uma demonstração clara de falta de respeito aos animais (pobre gato) e crueldade. Por que atirar o pau no gato, essa criatura tão indefesa? E para acentuar a gravidade, ainda relata o sadismo dessa mulher sob a alcunha de "D.Chica". Uma vergonha!



Eu sou pobre, pobre, pobre,De marré, marré, marré.Eu sou pobre, pobre, pobre,De marré de si.Eu sou rica, rica, rica,De marré, marré, marré.Eu sou rica, rica, rica,De marré de si.



Colocar a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos tão doces!! É impossível não lembrar do seu amiguinho rico da infância comum carrinho fabuloso, de controle remoto, e você brincando com seu carrinho de plástico... Fala sério!



Vem cá, Bitu! vem cá, Bitu!Vem cá, meu bem, vem cá!Não vou lá! Não vou lá, Não vou lá!Tenho medo de apanhar.



Quem foi o adulto sádico que criou essa rima? No mínimo ele espancava o pobre Bitú...



Marcha soldado,cabeça de papel!Quem não marchar direito,Vai preso pro quartel.
De novo, ameaça! Ou obedece ou você vai se fu... Não é à toa que o brasileiro admite tudo de cabeça baixa...



A canoa virou,Quem deixou ela virar,Foi por causa da (nome de pessoa)Que não soube remar.



Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas a dedurar e a condenar um semelhante. Bate nele, mãe!



Samba-lelê tá doente,Tá com a cabeça quebrada.Samba-lelê precisavaÉ de umas boas palmadas.



A pessoa, conhecida como Samba-lelê, encontra-se com a saúde debilitada e necessita de cuidados médicos. Mas, ao invés de compaixão e apoio, a música diz que ela precisa de palmadas! Acho que o Samba-lelê deve ser irmão do Bitú...



O anel que tu me desteEra vidro e se quebrou.O amor que tu me tinhasEra pouco e se acabou...



Como crescer e acreditar no amor e no casamento depois de ouvir essa passagem anos a fio?



O cravo brigou com a rosaDebaixo de uma sacada;O cravo saiu feridoE a rosa despedaçada.O cravo ficou doente,A rosa foi visitar;O cravo teve um desmaio,A rosa pôs-se a chorar.



Desgraça, desgraça, desgraça! E ainda incita a violência conjugal (releia a primeira estrofe). Precisamos lutar contra essas lembranças, meus amigos! Nossos filhos merecem um futuro melhor!
Ah! Você esqueceu desta:



Passa, passa tres xs..a última que ficar tem mulher e filhos que não pode sustentar..rsssssssss...(aí começa o desemprego)

Recebi este texto algumas vezes por e-mail, obviamente sem créditos. Publiquei exatamente como foi escrito, não passei nem corretor ortográfico, apenas formatei os parágrafos. Não sei se a "tese" do autor procede, mas no mínimo é pra se pensar, né?












Tarde de domingo


(Por Ana Paula Corradini)

Seis pratos sobre a pia. Cinco vazios, um ainda com lasanha à bolonhesa.Um filho que não gosta de lasanha à bolonhesa. Zero filhos para tirar o resto da mesa. Uma mãe de mãos ásperas, um pai de dedos ágeis. Um controle remoto. Zero sobremesas. Quatro reclamações. Um filho que não gosta de sobremesa. Dez dedos indicadores, um controle remoto. Cinqüenta programas simultâneos na TV a cabo. Cinco opiniões, dois safanões, um grito vindo da cozinha. Quatro silêncios e uma bateção de porta. Um filme, quatro sorrisos. Um choro abafado no banheiro. Uma palavra doce de mãe. Seis pratos lavados, doze talheres guardados, uma caçarola areada. Duas mãos em repouso. Cinco lugares ocupados. Uma poltrona vaga. Uma birrinha no canto da sala. Um colo. Duas lágrimas já enxutas. Um ressonar, dois ressonares, três... Cinco roncos. Dois olhos bem abertos. Um bico desse tamanho.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

A ajuda dos pais para crianças que começam a aprender a ler


A tarefa de alfabetizar uma criança é atividade para profissionais. Somente a escola e somente bons professores sabem escolher método mais atualizado, conhecem os saberes infantis no contexto escolar e, dessa forma, podem alfabetizar com segurança. Uma ajuda realizada por pessoas estranhas ao método pode representar mal não menor, que a de alguém que sem preparo específico em uma sala cirúrgica pensa que pode atuar. É por essa razão que quando pais e mães, tios e avós sentem que podem ajudar uma criança a aprender a ler, o que de melhor devem fazer é procurar a escola e com os profissionais da alfabetização, descobrir caminhos em que a intervenção efetivamente colabore. Quando, entretanto, essa possibilidade não se mostra tangível, é importante conhecer alguns procedimentos que ajudando a criança a se envolver com o universo do letramento, em nada atrapalha seu processo de alfabetização e pode ainda positivamente contribuir para que, aprendendo na escola, torne-se leitora melhor.

Entre esses procedimentos, julgamos interessante sugerir:

Na entrada da casa, mostre que o mundo da leitura se faz presente no catálogo telefônico que ali, por acaso se acha; em um calendário eventualmente pendurado na parede, quem sabe mesmo neste ou naquele quadro que ainda que não tenha palavras, suscita a vontade de saber se é ou não assinado, quem é seu autor. Inserir a criança no mundo do letramento é ajudá-la descobrir que existem palavras em toda parte e que estas expressam indicações, idéias, orientações. Não é essencial que “se traduza” para a criança a palavra que ali está, mas que possa tornar-se aventureira no desafio de perceber como a sociedade cerca-se de palavras escritas e como é importante na escola aprendê-las.
Outro espaço de valor inestimável para essa imersão infantil no mundo da palavra é a cozinha sempre rica em receitas, produtos com rótulos, eletrodomésticos com embalagens ou com dizeres que representam continuidade nesse percurso de descoberta. Não é necessário que esse passeio seja realizado em um só dia; ao contrário é ainda mais útil que a curiosidade da criança, acesa em um aposento a leve perguntar coisas sobre palavras, impressas em rótulos, recados, decorações, etc.
Da mesma forma que a cozinha, também o banheiro sempre cheio de remédios, desodorantes, pastas e escovas de pentes, produtos capilares e outros, muito outros, se afiguram úteis.Não apenas o banheiro, mas também um escritório, uma sala de jantar ou mesmo um terraço exibe sempre imenso universo de coisas escritas que podem se prestar a desafios interessantes. É essencial que o acordar dessa curiosidade seja espontâneo e que os desafios não abriguem vontade de acerto. – O que será que está escrito aqui? Você acha que é isso mesmo? Será que não poderia ser outra coisa? Nesta oportunidade, a curiosidade da criança a motiva e uma forma infeliz de truncá-la é assumir o papel de sábio letrado que para cada pergunta, tem sempre uma resposta a oferecer.

Uma ajuda sistemática; um pouquinho hoje, um retorno amanhã; um perpétuo ponto de interrogação sempre pronto para acender a vontade da busca toma em verdade pouco tempo e muito ajuda. Emília Ferreiro sempre destacou que dois mitos na alfabetização merecem cair: o primeiro é de que a alfabetização se encerra na escola e o segundo é de que basta a um adulto saber ler, para que possa a uma criança ensinar a ler. Verdadeiros profissionais não se substituem, mas aceitam com carinho a proposta interessante de uma ajuda bem pensada.
© CELSO ANTUNES

Como alguém aprende a ler e escrever



As teorias desenvolvidas por Emilia Ferreiro e seus colaboradores deixam de fundamentar-se em concepções mecanicistas sobre o processo de alfabetização, para seguir os pressupostos construtivistas/interacionistas de Vygotsky e Piaget. Do ato de ensinar, o processo desloca-se para o ato de aprender por meio da construção de um conhecimento que é realizado pelo educando, que passa a ser visto como um agente e não como um ser passivo que recebe e absorve o que lhe é "ensinado".Na perspectiva dos trabalhos desenvolvidos por Ferreira, os conceitos de prontidão, imaturidade, habilidades motoras e perceptuais, deixam de ter sentido isoladamente como costumam ser trabalhados pelos professores. Estimular aspectos motores, cognitivos e afetivos, são importantes, mas, vinculados ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos.Para Ferreira, "hoje a perspectiva construtivista considera a interação de todos eles, numa visão política, integral, para explicar a aprendizagem". O problema que tanto atormenta os professores que é o dos diferentes níveis em que normalmente os alunos se encontram e vão se desenvolvendo durante o processo de alfabetização, assume importante papel, já que a interação entre eles é fator de suma importância para o desenvolvimento do processo.Os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicam as diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos. Segundo Emilia Ferreiro são:
1) Nível Pré-Silábico- não se busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse nível:
diferenciar entre desenho e escrita
utilizar no mínimo duas ou três letras para poder escrever palavras
reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas (imprensa ou cursiva), escolhendo a que lhe é mais familiar para usar nas suas hipóteses de escrita
percebe que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes
2) Nível Silábico- pode ser dividido entre Silábico e Silábico Alfabético:Silábico- a criança compreende que as diferenças na representação escrita está relacionada com o "som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras.Silábico- Alfabético- convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica ou fonética.
3)Nível Alfabético- a criança agora entende que:
a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores
a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades ortográficas
a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras
Smolka1 diz que podemos entender o processo de aquisição da escrita pelas crianças sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se seguir o modelo "correto" do adulto; o ponto de vista do trabalho de Emília Ferreiro onde escrita é um objeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um processo discursivo. Cabe a nós pedagogos pensar nesses três pontos de vista e construir o nosso.Coloca a autora ainda que para a alfabetização ter sentido, ser um processo interativo, a escola tem que trabalhar com o contexto da criança, com histórias e com intervenções das próprias crianças que podem aglutinar, contrair, "engolir" palavras, desde que essas palavras ou histórias façam algum sentido para elas. Os "erros" das crianças podem ser trabalhados, ao contrário do que a maioria das escolas pensam, esses "erros" demonstram uma construção, e com o tempo vão diminuindo, pois as crianças começam a se preocupar com outras coisas (como ortografia) que não se preocupavam antes, pois estavam apenas descobrindo a escrita.
"Analisar que representações sobre a escrita que o estudante tem é importante para o professor saber como agir", afirma Telma Weisz, consultora do Ministério da Educação e autora de tese de doutorado orientada por Emília Ferreiro. "Não é porque o aluno participa de forma direta da construção do seu conhecimento que o professor não precisa ensiná-lo", ressalta. Ou seja, cabe ao professor organizar atividades que favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita, porque é pensando que ela aprende. "Apesar de ter proporcionado aos educadores uma nova maneira de analisar a aprendizagem da língua escrita, o trabalho da pesquisadora argentina não dá indicações de como produzir ensino", avisa a educadora Telma. Definitivamente, não existe o "método Emília Ferreiro", com passos predeterminados, como muitos ainda possam pensar. Os professores têm à disposição uma metodologia de ensino da língua escrita coerente com as mudanças apontadas pela psicolinguista, produzida por educadores de vários países."Essa metodologia é estruturada em torno de princípios que organizam a prática do professor", explica Telma. O fato de a criança aprender a ler e escrever lendo e escrevendo, mesmo sem saber fazer isso, é um desses princípios. Nas escolas verdadeiramente construtivistas, os alunos se alfabetizam participando de práticas sociais de leitura e de escrita. A referência de texto para eles não é mais uma cartilha, com frases sem sentido.
"... A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis,dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam,há uma criança que pensa" (Emília Ferreiro)Cremos oportuno lembrar que o construtivismo não é um método de ensino. Construtivismo se refere ao processo de aprendizagem, que coloca o sujeito da aprendizagem como alguém que conhece e que o conhecimento é algo que se constrói pela ação deste sujeito. Nesse processo de aprendizagem o ambiente também exerce seu papel, pois, o sujeito que conhece faz parte de um determinado ambiente cultural.
Segundo Magda Soares*, a perspectiva construtivista trouxe importantes e diferentes contribuições para a alfabetização:
[...]Alterou profundamente a concepção do processo de construção da representação da língua escrita, pela criança, que deixa de ser considerada como dependente de estímulos externos para aprender o sistema de escrita, concepção presente nos métodos de alfabetização até então em uso, hoje designados tradicionais, e passa a sujeito ativo capaz de progressivamente (re)construir esse sistema de representação, interagindo com a língua escrita em seus usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material para ler, não com material artificialmente produzido para aprender a ler; os chamados para a aprendizagem pré- requisitos da escrita, que caracterizam a criança pronta ou madura para ser alfabetizada - pressuposto dos métodos tradicionais de alfabetização - são negados por uma visão interacionista, que rejeita uma ordem hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se dá por uma progressiva construção do conhecimento, na relação da criança com o objeto língua escrita; as dificuldades da criança no processo da construção do sistema de representação que é a língua escrita- consideradas deficiências ou disfunções, na perspectiva dos métodos tradicionais - passam a ser vistas como erros construtivos, resultado de constantes reestruturações
Vera Lúcia Camara Zacharias